TEOREMA DO TEMPO É O ESPAÇO
Uma beleza um tanto poética (não são todas?) da oficina é que ela aconteceu exatamente um ano depois da mesma oficina que fiz com minha mãe. Quer dizer, as duas cerâmicas "marajoaras" que fiz foram "feitas" no mesmo dia, com um ano de diferença. Quer dizer, na última vez que a Terra estivemos no dia de ontem de coordenada geográfica no Espaço, eu também estava precisamente no mesmo lugar. Talvez isso seja o que é a matéria do Espaço, por onde a Terra transita: o tempo.
Eu estive no Arte Mangue quando a Terra, rodando ao redor do Sol e de si, esteve em 2-0/0-2 de 2-0-2-3 e quando esteve em 2-0/0-2 de 2-0-2-4! Não é belo?
Dois corpos não ocupam o mesmo espaço.
Espaço: ausência de matéria onde a matéria pode vir a estar
[vir a estar: essa é uma descrição temporal, indica um recorte específico de futuro]
Espaço: o deslocamento no tempo possível de ser observado, previsto, imaginado, percorrido e atravessado.
O desafio para a mente humana compreender isso é que, como ensina Ailton Krenak, busca utilidade - utilidade, no caso, como uma dominação de intenção racional sobre as imprevisibilidades espontâneas da existência, não como uma função ou sentido/explicação de ser e estar; só enquanto e porque dominação, o tempo precisa ser controlado: relógios, agendas, meses, milênios. Ilusão. Tudo agora.
Só distingui-se tempo do espaço porque a abstração permitiu a sensação de controle, mas o tempo só vai em uma mesma direção (igualmente em todas no que tange à matéria, mas apenas para "frente", "futuro"), como o Espaço é sempre o horizonte na escala terrestre: uma possibilidade infinita de deslocamento pela ausência de matéria em todas as direções. Também o Espaço como essa possibilidade inesgotável que sempre está à frente do fim da "matéria" "agora".
A Terra e o Tempo só se movem em uma direção.
Não andam para trás: essa imagem da gente, de que, olhando para o horizonte, gente anda para trás criou a ilusão de que se retorna no espaço, mesmo que Heráclito e, antes, o Curupira já dissessem que retornar a um rio não é voltar para um mesmo lugar.
Clariza passou aqui e me lembrou da física quântica. Partilhou sobre um texto da área que leu uma vez que argumentava que "no universo, nada é, tudo está". Fiquei com vontade de reler Ponto de Mutação, Fritjof Capra.
Não é, afinal, possível voltar - nem no tempo, nem no espaço. Voltar é um desejo, uma imaginação, como os dragões e as sereias, conseguimos imaginar e podemos nos iludir acreditando na existência (como durante um tempo assumem os adultos que acordam fazer com as crianças com Noel, a Fada, o Coelho…), mas não basta a crença para inaugurar sua existência material no espaço, fora da abstração imaginada.
A dissociação entre tempo e espaço ("dominação") é o ser mitológico da humanidade pós industrial: o mito inalcançável e inexistente que lhe oferece (mas também limita) possibilidades de inspiração, movimento e sentido à própria existência. Krenak, me ajude, por favor.
Será que vem aí um doutorado antropo quântico sobre o tempo? Seguir aprendendo com os povos marajoaras através do tempo.
[Através do tempo: essa é uma descrição espacial]
Entender o tempo não para dominá-lo, mas para libertar-se da ilusão e poder coletivamente repensar nossas escolhas - para onde vamos. [onde: espaço] [vamos: tempo]
Todo verbo é um marcador temporal. O anúncio de uma passagem no tempo, um deslocamento entre possibilidades temporais.
Mesmo e inclusive com viver: uma jornada de metamorfose que transita entre marcadores temporais que demarcam e determinam as suas respectivas possibilidades. Daí a máxima que nada deixa de existir, tudo se transforma.
Todo verbo é um marcador temporal. É possível uma linguagem sem verbo? Um existir diferente no tempo? A cerâmica marajoara sugere que sim.
Registros e reflexões a partir da oficina de cerâmica com Ronaldo Guedes, no Ateliê Arte Mangue, em Soure, Marajó. Aprender com Ronaldo, viajar no tempo, repensar a existência... possibilidades de uma terça feira que se repete todo ano, toda semana, todo tempo...