No último mês, Belém teve seu debate público capturado pela agenda e perspectiva do MDB, mais uma vez. Sem uma imprensa livre e com as redes sociais cada vez mais ocupadas por robôs, servidores de cabide de emprego e páginas sem transparência de financiamento e modelo de negócio, o prefeito da cidade e primo do governador resolveu que o assunto da capital deveria ser o novo pixo da pedra do açaí.
Seria valioso ter um circuito público de turismo urbano pelos principais pixos, grafites, picos de skate, sobreposições de camadas e outros artefatos urbanos que ainda nos instigam, chamam atenção, mobilizam e fazem a gente se importar com a cidade e se expressar
Mas não foi isso o que aconteceu, ainda. Ao contrário, o latifundiário vestido de burguês pregava nas redes uma caçada ao pixador, com mobilização de recursos públicos da polícia científica à conservação e o próprio gabinete do prefeito. Como se o pixo não fosse literalmente uma assinatura, risos.
Jogando para sua plateia de robôs, assessores e cidadãos perdidos no algoritmo da extrema direita, a condenação da arte urbana faz do pixo um desrespeito e um desperdício do dinheiro público - afinal, a Prefeitura escolheu reagir ao pixo redobrando a aposta, despendendo mais recursos públicos para refazer algo que, apresentado à população, já experimentou sua interação. Que o projeto político do MDB não gosta e tenta apagar o que difere não é novidade.
O pixo é um ato adulto, artístico, político, de expressão e comunicação. A noção de que uma TAG pichada desvaloriza um muro cinza ou uma bola branca de concreto é uma construção de valor da especulação imobiliária, financiadora da candidatura do camisa pólo.
Como mensagem, o pixo marca uma presença humana na cidade que se limpa de sua gente. Rompendo a beleza artificial, a maquiagem turística, o vazio higienista, o pixo lembra que estiveram aqui - outros, quando não estávamos olhando. O que perdemos de vista, mesmo da vista pública? Ser exposto assim remexe nossas inseguranças coletivas - sabemos que seguras são as cidades em que as comunidades são integradas e atentas ao que é comum. O pixo expõe que não somos.
Desperdício de dinheiro público faz a prefeitura do MDB quando escolhe brincar de gato e rato e apagar pixo na cidade, mas muito antes e muito pior quando escolhe que o recurso público será usado para desmontar aparelhos da assistência social, remover pessoas em situação de rua, embranquecer espaços populares e transformar a terra da gente em cenário fantasma para gringo ver e tirar foto.
Antes de esvaziar a pedra do açaí visando o turismo estrangeiro e a imagem diante dos megaeventos internacionais, o investimento público ali mesmo, naquele cantinho da cidade, poderia ser na garantia de infraestrutura pública e urbana para a população: abrigo e refeitório para quem precisa, banheiros, bebedouros, fontes públicas de água, sombras, bancos e jardins para todes. Oportunidade de ocupar os prédios históricos com assistência social, projetos sociais de ocupação artística, geração de renda e redução de danos. Para não sonhar com a reativação dos trilhos de bonde que poderiam devolver à população algo de dignidade do direito à cidade.
Ao invés de usar o momento em que Belém é anfitriã da mais importante Conferência do Clima do mundo e está recebendo investimentos milionários do Governo Lula, a prefeitura do MDB insiste à risca na cartilha da especulação imobiliária que higieniza, gentrifica e esvazia a cidade de sua gente.
O pixo poderia dizer mais do que diz. E nós não?

Talvez te interesse

Back to Top